Correr, brincar e sorrir. Jardim de infância um espaço de jogo.
INTRODUÇÃO
O direito de brincar está reconhecido na Convenção
sobre os Direitos da Criança por ser tão importante como o direito à
protecção, à saúde, à liberdade, à dignidade ou à educação. Brincar
é algo muito especial que se reflecte na saúde. A entrega total à fantasia,
vivendo situações de “faz-de-conta” permite tanto o desenvolvimento
pessoal como aptidões sociais.
O jogo é o período “colorido” da vida das
crianças, é um tempo muito apreciado e mesmo que a duração do jogo seja
curta, parece preencher grande parte do dia da criança. O tempo de jogo
é muito valorizado. É um período óptimo de aquisição de valores e atitudes.
O mundo em que vivemos corre a um ritmo acelerado, não favorecendo a
reflexão dos valores mais importantes da vida. Segundo Hendrick (1990)
a infância é um período rico em aprendizagens sociais.
Vivemos numa sociedade consumista e pouco preocupada
com os verdadeiros interesses e necessidades da criança. Cada vez mais,
são inventadas novas actividades orientadas para ocupar os tempos livres
não dando tempo ao crescimento natural e saudável que a infância necessita.
Através da comunicação social, entram diariamente nas
nossas casas os brinquedos mais sofisticados, rodeados de comandos e
jogos, pondo a electrónica em primeiro plano, não favorecendo o desenvolvimento
motor global.
Por outro lado, vemos os recreios das nossas escolas,
completamente despidos, dando origem a discussões e jogos de luta. A
colocação de equipamentos móveis no recreio parece estar associada à
redução do “bullying” na escola. (Marques, Neto e
Pereira, 2001). Este conceito define-se pela agressão/vitimação entre
pares de forma persistente ao longo de dias, semanas ou meses (Pereira,
2002).
Com este trabalho pretende-se, dar a conhecer uma intervenção
realizada nos recreios de uma escola, com um grupo de Jardim de Infância,
cujas idades estão compreendidas entre os 3, 4 e 5 anos, num total de
22 crianças.
A criança necessita de pegar, usar e transformar o
brinquedo de forma a identificar-se e desenvolver ao máximo as suas
capacidades.
Este estudo numa primeira parte fala da relação e cumplicidade
que existe entre o brincar, a criança e a saúde; na segunda apresenta-nos
a metodologia adoptada, refere os objectivos, a análise e discussão
dos resultados e termina com as principais conclusões.
Huizinga (1998) na sua obra “Homo Ludens”
refere a essência e o fenómeno do jogo como um fenómeno cultural. A
corrente que analisa o jogo sob o ponto de vista biológico não pode
explicar a intensidade com que a criança se envolve no jogo e é nesta
capacidade de estar implicado no jogo que radica a sua essência (p.
34). A corrente biológica aponta para as funções úteis do jogo como
a descarga de energia excedente, o relaxamento de tensões e a preparação
para diversas funções (jogos funcionais).
A alegria e a festa são características do próprio
jogo. As ocupações primordiais do convívio humano estão impregnadas
no jogo (Huizinga, 1998:37).
O jogo, sendo essencial, é factor inovador na adaptação
do homem. Sutton-Smith (1967) aponta a actividade lúdica como meio que
contribui para a autonomia, flexibilidade e criatividade da criança,
sendo através do jogo que desenvolve soluções inovadoras, em vez da
reprodução de ideias convencionais.
O jogo, em particular o jogo infantil, parece estar
na origem de emoções positivas, associadas a conceitos como a felicidade
e o sentido de realização (Eisiedler, 1996: 88).
Pereira e Neto (1997:239) em estudo realizado com crianças
dos 3 aos 10 anos confirmaram que as crianças, ocupam os seus tempos
livres com actividades lúdicas, em particular com jogos de “faz-de-conta”
e jogos de “perseguição” (corridas e apanha). No mesmo estudo,
quando compararam, se a actividade predominantemente realizada e a actividade
preferida eram coincidentes, verificaram que as crianças mais velhas
(1º ciclo) são mais penalizadas do que as crianças mais novas (Jardim
de Infância). Que limitações são essas, associadas à entrada na escola,
que impedem as crianças de jogar ao que gostam? Por um lado podemos
falar em obrigações acrescidas pela frequência da escola (trabalhos
para casa, TPC) e por outro lado perspectiva-se o alargamento dos horizontes
quanto à diversidade das actividades a realizar, contudo continuam limitados
a determinadas práticas.
O primeiro brinquedo do bebé é o seu próprio corpo,
ou o da sua mãe, correspondendo às necessidades naturais daquela idade.
No primeiro ano de vida a actividade espontânea da criança ocupa grande
parte do seu tempo e é independente do material (Chateau, 1961:11).
À medida que a criança cresce o material começa a ter algum significado,
sendo contudo um material não específico e utilizado para numerosas
actividades diferentes. Nas crianças do 1º ciclo a importância do material
redobra e este parece funcionar como promotor do próprio jogo.
Não podemos dividir o corpo do ser humano e explorar
apenas uma parte de cada vez, pois somos um todo que é constituído de
forma física, mental, moral, espiritual e só desenvolvendo todas estas
áreas cresceremos de forma saudável. A brincar a criança vai construindo
a sua personalidade, o seu conhecimento, a sua imaginação, as suas capacidades,
a tomada de decisões, levando-nos a concluir que a brincadeira é uma
actividade séria, do mesmo modo que o trabalho é para o adulto, pois
“a criança que brinca verdadeiramente não olha à sua volta
como o jogador de cartas num café, mas mergulha-se inteiramente no seu
jogo, pois, ele é uma coisa séria” (Chateau, 1961:17). Vários
estudos têm sido feitos, no sentido de descobrir a importância da brincadeira
na criança, pois a forma como a criança brinca, revela os seus interesses,
crenças e convicções. Por vezes a brincadeira é um espelho da vida adulta,
representando situações da vida real e onde a criança expressa os seus
sentimentos, as suas carências, os seus “conflitos inconscientes,
interesses sexuais reprimidos por mecanismos sociais, fobias, defesa
perante angústia, agressividade latente, etc.”(Oceano,1996:138),
que nos permitem actuar, convertendo estas situações em aprendizagens
e preparação para a vida social e pessoal da criança, conduzindo-a ao
sucesso. Hoje em dia, foram-se perdendo algumas características das
brincadeiras de outros tempos, necessárias ao desenvolvimento da criança,
devido ao ritmo de vida cada vez mais apressado, sério e cansativo,
não dispomos de tempo para rir e brincar com as crianças. “Alguns
aspectos da mudança reflectem-se, nomeadamente, na rua, na actividade
física, na autonomia e nos espaços de recreio. As crianças têm menos
tempo para o jogo e para a actividade lúdica espontânea” (Pereira,
2002:22).
Neto (1995) procurou identificar as necessidades de
movimento da criança, tendo-as sintetizado em: “movimento,
espaço, afectividade, contacto com a natureza, materiais diversificados,
exploração do meio, acesso ao jogo, ser livre – poder experimentar
e transformar o meio material e institucional, convivência em grupo
– companheiros, pais educadores, animadores, etc.” (p.
244-245). Quanto mais a criança brinca, melhor será o seu desenvolvimento
sensório-motor, o desenvolvimento intelectual, a socialização, a criatividade,
a autoconsciência, a função terapêutica e aperfeiçoamento moral. As
brincadeiras ensinam habilidades e capacidades que constituem o centro
de inteligência, e a aprendizagem é mais facilmente adquirida em situações
agradáveis.“Eis porque nunca é demais repetir que uma infância
alegre, cheia de actividades adequadas, é uma garantia para a felicidade
da vida de adulto” (Schmidt, 1958, p.109).
As crianças do séc. XXI sofrem cada vez mais de solidão,
depressões e esgotamentos provocados pela falta de ocupação livre, espontânea
e em grupo que tanto desenvolve a sua personalidade firmando uns alicerces
mais resistentes. “Cada vez mais, as crianças brincam sós,
dificultando a aprendizagem de competências sociais que lhes permitam
inter-agir com os pares” (Pereira, 2002:106).
A criança da aldeia, ainda vai mantendo um “modo
de vida” que lhe permite alguma liberdade, explorando, compondo,
mexendo, descobrindo e criando, vivenciando experiências em grupo que
a vão enriquecendo, concretizando um desejo que é comum a todas as crianças:
“Brincar…Brincar bem…Brincar até ao céu…”
(Ministério da Educação, 1997:71). Pequenos momentos de brincadeira
são grandes momentos de satisfação.
Pensando nas crianças do mundo inteiro e para que todos
os adultos possam reflectir um pouco sobre este tema, podemos colocar
uma questão: “É importante brincar? É, e faz muito bem. Brincar,
não tem nada que enganar; ao contrário dos antibióticos, nunca se deve
fazer de 8 em 8 horas…” (Sá, 2000:77). É por isso urgente
que se criem condições em todos os Jardins de Infância, com salas espaçosas,
relvados no exterior, material abundante e pessoal bem preparado técnica
e pedagogicamente, para dar resposta mais adequada às necessidades da
actualidade. Criar bons hábitos de forma a proporcionar saúde, segurança,
confiança, rendimento e felicidade.
Objectivos
O principal objectivo deste estudo é compreender, através
da observação, o papel da presença dos brinquedos nos recreios escolares
na promoção das actividades lúdicas da criança.
Pretendemos ainda perceber as atitudes das crianças
quanto à cidadania, cooperação e inter-ajuda.
Pretendemos também compreender a influência positiva
da procura dos brinquedos de maior relevância para o desenvolvimento
motor e que contribuem para um estilo de vida saudável.
Por fim, temos como objectivo a valorização e preservação
do brinquedo tradicional nos Jardins de Infância e Escolas Básicas do
1º ciclo.
Metodologia
O método utilizado para a realização do estudo foi
a investigação-acção. Trata-se de uma investigação participativa em
educação através da qual é possível adqurir a consciência, “não
só dos problemas concretos com que se depara, mas também das
causasestruturantes desses problemas” (Erasmie e Lima,
1998: 44).
Consideramos pertinente empregar esta metodologia uma
vez que nos propomos realizar uma investigação directa com as crianças,
de forma a observar as suas atitudes, consistindo este método “numa
abordagem que se revela particularmente atraente para os educadores
devido à sua ênfase prática na resolução de problemas ..."
( Bell, 2002, p. 22 ).
O tempo destinado à intervenção tornou-se insuficiente
para a conclusão deste projecto. Tal como nos refere Cohen e Manion
(citados por Bell, 2002:21), "uma característica importante
da pesquisa - acção é o facto de o trabalho não estar terminado quando
o projecto acaba. Os participantes continuam a rever, a avaliar e a
melhorar a sua prática."
Para a recolha da informação utilizamos a observação
directa e indirecta (vídeo). Na observação directa e sistemática do
comportamento da criança, construímos uma grelha de registo dos dados.
Esta grelha foi elaborada como uma tabela de dupla
entrada: na parte superior foram colocados os nomes dos brinquedos de
forma aleatória e na parte lateral esquerda, os nomes das crianças,
por ordem cronológica. Para cada brinquedo havia seis espaços o que
permitia seis registos de ocorrência realizada de cinco em cinco minutos,
num total de trinta minutos por sessão. Na prática, eram registados
de cinco em cinco minutos os brinquedos que cada uma das crianças utilizava.
O registo em vídeo foi útil permitindo uma visão à
posteriori sobre aspectos que escaparam à observação em directo. Este
meio foi utilizado no primeiro e no quinto dia de cada semana, durante
os trinta minutos da intervenção, ou seja, no primeiro e último dia
em que as crianças tiveram à sua disposição nos recreios os brinquedos
tradicionais (1ª semana) e os brinquedos actuais (2ª semana).
Caracterização da Amostra
A amostra é constituída por 22 crianças dos 3 aos 5
anos de idade, das quais 12 são do sexo masculino e 10 são do sexo feminino.
São crianças que frequentam uma sala única Jardim de Infância Público
do meio rural, no litoral.
É um grupo heterogéneo. É considerado um grupo de 3
e 4 anos, composto por 12 crianças do sexo masculino e 10 do sexo feminino.
Dos rapazes há 7 de quatro anos e 5 de três anos. Das raparigas, 7 de
quatro anos e 3 de três anos de idade. Tem gostos diversificados, muita
energia e alegria. A linguagem é a sua maior dificuldade, apesar dos
esforços realizados e evolução verificada, ao longo deste ano lectivo.
Gostam de ouvir, contar, dramatizar e inventar histórias e canções;
interessam-se por aprender cada vez mais actividades novas, de expressão
plástica, jogos e brincadeiras; dançam, saltam, brincam, passeiam e
divertem-se, cativando quem os rodeiam. Não necessitam de muitos brinquedos
para inventar jogos e brincadeiras, pois fazem-no constantemente com
folhas, pedras, paus, garrafas de plástico vazias, etc.
A Escola Básica do 1º. Ciclo e o Jardim de Infância
de Agra, Fonte-boa, do Concelho de Esposende, estão integrados no Agrupamento
de Escolas de Apúlia.
Experiência realizada. Caracterização do recreio da
escola e da intervenção
“Os Estados Partes reconhecem à criança o
direito ao repouso e aos tempos livres, o direito de participar em jogos
e actividades recreativas próprias da sua idade e de participar livremente
na vida cultural e artística.”
Artigo 31.º da Convenção sobre os Direitos da Criança
Relativamente ao espaço exterior, o J. I. possui uma
grande extensão de área para recreio a toda a volta da escola. Na parte
de trás tem um espaço com areia, algumas árvores, um escorrega, dois
baloiços e um campo vedado para jogos variados. Tudo isto, embora vedado,
está aberto à comunidade, permitindo a sua utilização a todas as crianças
da aldeia quando não está a ser usado pela escola. Esta escola está
rodeada por campos, proporcionando agradáveis paisagens e ar puro.
Esta intervenção teve a duração de duas semanas, de
24 de Março de 2003 a 4 de Abril de 2003, a primeira semana com brinquedos
tradicionais e a segunda com brinquedos actuais.
Diariamente e durante trinta minutos foi dada oportunidade
à criança de explorar os brinquedos livremente e sem intervenção do
adulto. Não foi dada qualquer explicação do uso dos brinquedos, assim
como a sua correcta utilização.
O número de brinquedos disponíveis em cada semana foi
suficiente para o número de crianças. Foram usados 16 modelos diferentes,
tanto de brinquedos tradicionais, como de brinquedos actuais. O número
de exemplares disponíveis por modelo foi variável. Vamos apresentar
a designação dos brinquedos tradicionais e actuais e o número de exemplares
por modelo.
Brinquedos Tradicionais
Brinquedos Actuais
Andas de lata (3 pares)
Rodas de plástico (3);
Arcos e ganchetas (3+3)
Andas de plástico (2 pares)
Cavalos de pau (6)
Skates (3)
Moinhos de vento (6);
Arcos de plástico (4);
Bolas de trapos (6);
Setas ao alvo (2);
Cordas (3);
Balões (6)
Bufos (3);
Bolas de plástico (6)
Assobios de barro (8);
Cordas com pontas (3);
Botões/caricas (2 sacos);
Berlindes (1 saco);
Travesseirinhas (5);
Assobios de plástico (6);
Elásticos (3);
Raquetes (3 pares);
Telefones de cordel (3);
Sticks (4);
Arcos e flechas (3+3);
Massas (4);
Sacos de zarapilheira (3);
Argolas (4);
Carrinhos de rolamentos (2);).
Telemóveis (3)
Bicicletas com homem (3).
Bolas de sabão (2).
Os brinquedos tradicionais foram na sua maioria confeccionados
pelas educadoras envolvidas no projecto com o apoio das crianças e nalguns
casos mesmo de familiares. Os únicos brinquedos adquiridos para o efeito
foram os assobios de barro (vários tipos) e a bicicleta de madeira com
homem. Estes foram adquiridos em Barcelos em casas de artesanato local.
Os brinquedos, por nós definidos com actuais estão
disponíveis no mercado em casas da especialidade ou outras não específicas.
Os berlindes, era um brinquedo tradicional e ligado ao aproveitamento
pela criança, de material de desperdício. Hoje está acessível à criança
em qualquer loja. Na perspectiva da criança é um brinquedo actual pois,
não viveu numa época em que as tampas das garrafas eram essas bolinhas,
que faziam o encanto de todas as crianças.
Descrição da observação em directo
Os brinquedos estavam colocados no campo de jogos,
junto à porta, de forma aleatória de maneira que todas as crianças pudessem
escolher o brinquedo.
Foi feito o registo da utilização de cada brinquedo
de cinco em cinco minutos para cada criança, numa tabela de dupla entrada,
durante os trinta minutos de recreio observados da primeira à quinta
sessão.
Nos cinco dias de observação, a frequência máxima de
registos por criança era trinta, e para o grupo, trinta vezes o número
de brinquedos.
Análise dos resultados
A amostra compreende todas as crianças de uma sala
de Jardim de Infância, crianças entre os 3 e os 5 anos de idade, num
total de 22, das quais 12 são rapazes e 10 raparigas (quadro 1).
Quadro 1 - Identificação das crianças por idade e sexo
Idade
Sexo
3 anos
4 anos
5 anos
Total
Feminino
3
5
2
10
Masculino
4
7
1
12
Total
7
12
3
22
O registo de utilização dos brinquedos mais usados
e menos usados no conjunto dos 5 recreios, em cinco dias consecutivos,
num período de 2h30m de observação, em directo, é apresentado no quadro
2.
O número de registos foi em vários casos superior a
30 devido há existência de mais do que um brinquedo do mesmo modelo
e de alguns brinquedos, que prevíamos de utilização individual, terem
sido partilhados por duas ou mais crianças.
- Brinquedos tradicionais e actuais mais e menos usados
no total dos cinco dias
Mais usados
Tradicionais
Actuais
Menos usados
Tradicionais
Actuais
2h30m
n
2h30m
n
2h30m
n
2h30m
n
Carro de rolamentos
203
Skate
111
Bufo
0
Andas de plástico
6
Caricas e botões
99
Berlindes
78
Elástico
1
Balões
6
Andas de latas
81
Bolas
77
Saco
2
Argolas
9
Os brinquedos mais usados foram aqueles que permitiram
brincadeiras e diversão em conjunto, o que demonstra a necessidade e
o gosto de brincar em grupo, permitindo-lhes desfrutar mais do prazer
que isso proporciona. Os menos usados foram os menos atractivos e os
que teriam que usar individualmente, não dando tanto prazer à criança
que procura nos recreios brincar em conjunto, conforme os seus interesses.
As crianças usaram e desfrutaram durante toda a intervenção
dos brinquedos tradicionais e actuais sem perder o entusiasmo e a alegria
que estas actividades lhes permitem.
Este mundo de sonhos, permitiu-lhes preencher o seu
tempo livre, eliminando conflitos, lutas e desavenças, substituindo
estes sentimentos por amizade, proximidade e partilha.
Ao longo destas duas semanas não se registaram acidentes.
Contrariando aquilo que certos estudos nos dizem, não
se notou qualquer tipo de egocentrismo frequente na idade dos três anos,
mas uma cooperação entre as crianças, ajudando-se mutuamente, resolvendo
os seus problemas e as suas dificuldades. Os jogos individuais deram
lugar aos jogos de grupo. Há uma maior coordenação de movimentos, melhorando
a agilidade e o equilíbrio. Utilizam os brinquedos de maneira a lhes
proporcionar um maior prazer. A imaginação e criatividade, foram o seu
ponto forte, criando situações diversas que nos transportam ao mundo
da fantasia. A cada momento que passa, constroem situações mais complexas,
o que nos permite analisar que as crianças desenvolvem e evoluem a todos
os níveis ao contactarem com este tipo de material e ao deixá-los explorar
livremente.
CONCLUSÃO
As funções que as crianças atribuíram aos brinquedos,
ultrapassaram de longe a nossa imaginação e expectativas. A escolha
das crianças incidiu mais em determinados brinquedos, devido ao seu
maior envolvimento físico, maior destreza motora e os que representavam
maiores dificuldades. Procuravam os brinquedos mais desconhecidos, devido
à consciência que existia de que só os poderiam usar durante determinado
tempo. O som dos brinquedos é importante, no sentido de os poderem explorar
sem privações, diferente daquilo que acontece nos espaços interiores
onde nem sempre podemos fazer o barulho que lhes apetece. Os assobios
de barro, embora fossem um brinquedo atractivo e com uma finalidade
agradável, por serem demasiado frágeis e partirem com muita facilidade,
devem ser usados por crianças mais velhas. Após a experimentação e exploração
dos brinquedos no primeiro dia, as crianças em geral, seleccionavam
aqueles que lhes proporcionavam maior prazer, mantendo-se depois fiéis
ao mesmo brinquedo.
Após o término da intervenção ficamos com a sensação
de que iniciamos um projecto ao qual não podemos dar um fim, pois é
de tal forma abrangente que nunca estará terminado. É contagiante a
forma como as crianças lidaram com o tema ao ponto de suscitar os interesses
de toda a escola (das crianças mais velhas do 1º ciclo). Começaram eles
próprios a perguntar a à geração dos pais e avós que lhes falassem dos
jogos que realizavam quando eram crianças e solicitavam apoio na confecção
dos seus próprios brinquedos, utilizando-os em conjunto nos recreios.
Ficou-nos a vontade e a motivação de aprofundar e continuar
a desenvolver este estudo pois foi bastante positivo encontrar inúmeras
formas de explorar o jogo e o brinquedo nos recreios do Jardim de Infância.
Não podemos esquecer que o mundo em que vivemos corre
a um ritmo enorme deixando-nos limitados no que respeita às actividades
livres, não orientadas que tanto prazer dão às nossas crianças, facilitando
e promovendo as aprendizagens.
As aprendizagens e descobertas no Jardim de Infância
encontram-se interligadas entre si desenvolvendo todas as áreas de conteúdos,
contribuindo para o desenvolvimento global da criança, promovendo hábitos
e atitudes indispensáveis para uma vida activa e participativa.
O movimento é sem dúvida o “material pedagógico”
que visa organizar e melhorar o comportamento motor, psíquico e social
da criança.
“Uma criança que não sabe jogar, ...será um
adulto que não sabe pensar” (Chateau, 1961, p.6).
Recomendamos que cada um de nós, em particular as(os)
educadoras(es) de infância e docentes do 1º ciclo se preocupem mais
com o jogo e a precensa de brinqudos promotores desse jogo nos Jardins
de Infância e Escolas do Ensino Básico, 1º e 2º ciclos, investindo e
criando mais espaços com qualidade, favoráveis ao desenvolvimento e
felicidade das nossas crianças, com o objectivo de dar resposta as suas
necessidade de brincar, escolher as próprias brincadeiras e os companheiros
de jogo.
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