A Qualidade dos contextos nos centros de educaçao da 1ª infancia
A QUALIDADE DOS CONTEXTOS NOS CENTROS DE EDUCAÇÃO
DA 1ª INFÂNCIA
Comunicación
presentada en el Congreso de Madrid Diciembre-98 por:
Mª Lourdes Dias de Carvalho
As pesquisas realizadas sobre o desenvolvimento
e educação das crianças pequenas, bem como acerca
dos contextos em que estas se enquadram, têm sugerido diferentes
pontos de vista e focos de estudo.
A complexidade do processo educativo inerente a
cada indivíduo no seu contexto global de desenvolvimento sustenta
uma tentativa de maior e melhor conhecimento, bem como uma compreensão
da dimensão especificamente humana de cada ser. Partindo de uma
verdadeira valorização, manifestamente científica,
do desenvolvimento e educação, será possível
estudar, reflectir, compreender e, posteriormente, intervir junto daquelas
que hoje formam um grupo a que chamamos crianças, mas que constituirão
os adultos e a sociedade do amanhã. Os actores implicados na educação
(pais, profissionais, pesquisadores, entidades oficiais, entre outros)
terão de ter consciência da sua força impulsionadora
no desenvolvimento e na sociedade do próximo milénio.
As mudanças ou actualizações
científicas sobre o desenvolvimento da 1ª infância, sobre
as suas potencialidades e necessidades, sobre a forma de "olhar" a criança
nos seus diferentes contextos de desenvolvimento humano, influenciarão
certamente a forma de conceber o novo significado e função
da creche enquanto instituição educativa. As abordagens
actuais relacionam o desenvolvimento e a educação do indivíduo,
ao longo do seu ciclo de vida, com as influências do contexto a
que cada ser humano está vinculado e identificado, qualquer que
seja a idade, o sexo ou a cultura.
Com este novo "olhar", a creche deixará de
ser vista e sentida como um mal necessário da família e
da sociedade, como uma realidade inevitável para as famílias
trabalhadoras ou como um acidente da modernização da sociedade
industrializada. A creche será então reconhecida como um
espaço educativo, um espaço de convivência entre crianças,
um espaço de alargamento da visão de mundo, ou seja, um
espaço de desenvolvimento e estimulação de cada uma
das crianças.
O que acontece realmente do ponto de vista educativo,
durante os dois primeiros anos de vida, na creche?
Para perceber o que realmente acontece, procuramos
"olhar" para a creche como um dos contextos de desenvolvimento da criança,
complementar a outros contextos em que ela vive (Bronfenbrenner, 1979)
e perceber até que ponto responde às exigências do
próprio desenvolvimento infantil através de características
propiciadoras de interacções e de actividades de exploração
do meio (Oliveira & Rossetti Ferreira, 1986). Para tal recorremos
a alguns indicadores de qualidade dos cuidados prestados às crianças,
apontados pelas pesquisas mais recentes, nomeadamente, a disponibilidade
de espaço, a proporção adulto-criança, o tamanho
dos grupos, o pessoal especialmente treinado em desenvolvimento infantil
ou em educação da criança até aos 2 anos de
idade (Phillips et al, 1987; Kagan et al., 1978)
Ao longo do nosso estudo, tentamos avaliar e clarificar
Onde e Como acontece a educação na 1ª infância, como
é pensada e estruturada a organização do ambiente
apropriado às características, necessidades e interesses
das crianças, bem como até que ponto este contexto é
promotor de um desenvolvimento do processo educativo, social e culturalmente
adequado. Por outras palavras, procuramos descobrir a diferença
entre uma creche montada para atender às necessidades físicas
e fisiológicas da criança - como se ao bebé lhe bastasse
isso - e uma creche onde se viva, em acréscimo, a preocupação
de ajudar a pessoa a crescer e a descobrir o mundo, de forma completa.
A literatura mais recente enfatiza então, como
um dos aspecto importantes a organização e a estruturação
do ambiente físico, nomeadamente, o espaço e a disponibilidade
diária dos materiais educativos.
A complexidade da estrutura física das instalações
e materiais das creches parece, muitas vezes, guiar-se por duas lógicas
distintas mas interdependentes. Por um lado, parece estar mais intimamente
ligada ao trabalho do adulto garantindo a funcionalidade do seu trabalho
profissional na prestação dos cuidados, no controlo e na
supervisão do grupo. Por outro lado, pretende providenciar a realização
das actividades da criança, ou seja, criar propostas e condições
que favoreçam o seu desenvolvimento e as interacções
características das diferentes faixas etárias (Oliveira
& Rossetti Ferreira, 1986). No entanto, esta funcionalidade para os
educadores, muitas vezes, prevalece sobre a actividade e estimulação
das crianças.
Os materiais e equipamentos específicos em
cada sala, primordialmente guiados por objectivos educativos, espelho
das opções pedagógicas e das características
idiossincráticas de cada educador, são permeabilizados pelas
diferentes vertentes do desenvolvimento e pelos interesses manifestados
por cada criança, naquele contexto social e cultural. Caracterizam-se,
ainda, pela forma como possibilitam à criança a actividade
(espontânea ou não), incluindo a escolha de material, o conteúdo,
o local, a selecção dos seus pares de jogo e mesmo a oportunidade
de decidir o término da actividade. O agrupamento e a acessibilidade
dos materiais permitem, de forma natural e espontânea, que a criança
escolha com o que, onde, como e com quem quer
brincar (Haddad, 1993). Contudo, sendo certo que os materiais constituem
estímulos potencialmente importantes (cognitivos, sociais, físicos,...),
a sua mera existência não lhes garante a funcionalidade e
interesse educativo. Nesse sentido, devem ser avaliados quanto à
atracção que despertam e às possibilidades de interacções
desenvolvimentalmente relevantes que facultam (Oliveira & Rossetti
Ferreira, 1986).
Uma outra característica crucial da creche
enquanto contexto promotor de desenvolvimento refere-se à
qualidade do processo educativo.
Durante os dois primeiros anos de vida, a interacção
com o ambiente em geral e a diversidade de jogos, particularmente convidativos
à exploração, à manipulação,
à elaboração e à imaginação,
favorecem a sensibilidade da criança para os aspectos físicos
e sociais dos contextos imediatos e, posteriormente, para os aspectos
simbólicos que os envolvem. Reduzir ou eliminar espaços
e situações de actuar, de fazer, de ser ela mesma com todas
as suas características, é limitar a hipótese de
crescimento, criando-se, consequentemente, carências e/ou atrasos
no desenvolvimento geral e harmonioso.
São por isso, em parte, os educadores que guiam
tacitamente o desenvolvimento infantil, permitindo ou desencorajando certas
actividades, promovendo ou evitando certas relações e fomentando
ou dissuadindo certos companheiros de jogo (Rogoff, 1993). Por outro lado,
a variedade e grau de complexidade dos materiais e objectos (também
determinada pelos educadores) que suscitam e motivam a actividade assumem
uma maior amplitude quando incorporam um outro elemento criador de um
sistema de relações interpessoais.
Pensar na organização das actividades
das crianças implica, então, não separar os papéis
dos implicados-educadores e crianças-pois eles são mutuamente
determinados. As actividades desenvolvidas pelos e com os educadores,
proporcionam e estimulam a criança em aspectos relevantes para
o seu desenvolvimento. Os educadores tornam-se fontes de aprendizagem
(implícita ou explícita), de novas situações
e de formas de resolver problemas. Não obstante, essa aprendizagem
(intencional ou não) é mediada pelas interacções
pessoais, pela organização e pela actividade emergente dos
contextos espacio-temporais em que a criança participa.
A acção educativa nas creches envolve,
assim, simultânea e conjuntamente, todas as actividades de estimulação
e de interacção da vida diária na instituição
e não apenas os aspectos planeados em actividades pedagógicas
intencionais.
O presente estudo parte de vários indicadores
de qualidade mas, aqui e hoje, limitados pelo tempo, tentaremos apenas
apresentar alguns destes aspectos mais relevantes.
MÉTODOS
Objectivos
O nosso estudo pretendeu caracterizar o processo
educativo desenvolvido nas creches, nos dois níveis etários
iniciais de escolarização: o primeiro dos três aos
doze meses (os grupos de bebés, antes da linguagem e da locomoção)
e o segundo dos treze aos vinte e quatro meses (grupos de um ano, idades
compreendidas entre a aquisição da marcha e os vinte e quatro
meses.
Para tal, os nossos objectivos foram operacionalizados
da seguinte forma:
- Averiguar até que ponto factores (aparentemente
externos e paralelos) como a proporção adulto/criança,
tamanho de grupo, idades dos grupos de crianças, e a formação
profissional da equipe manifestavam alguma relação com o
processo educacional no seu todo (relativamente à Organização
e Ambiente e relativamente ao Desenvolvimento do Processo).
- Localizar aspectos sensíveis/factores críticos,
que necessitem de um estudo mais aprofundado, permitindo um processo de
intervenção baseado em factos e aspectos concretos e objectivos,
bem como identificar direcções possíveis e úteis,
para a formação dos profissionais que trabalham nesta faixa
etária (0 a 2 anos).
Amostra
Dada a diversidade de critérios de organização
das creches, optámos por trabalhar apenas com a população
das IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social)
e com a população das creches particulares com fins lucrativos,
reconhecidas pelo C.R.S.S., de seis freguesias da zona ocidental da cidade
do Porto.
A amostra do nosso estudo, ficou então constituída
no seu todo por trinta salas em dezassete instituições.
Dado o número reduzido de instituições
que constituem a amostra, o presente estudo reveste-se, necessariamente,
de um carácter exploratório. Pretendemos, contudo, levantar
algumas questões que, num futuro próximo, deverão
ser aprofundadas no quadro de investigações mais alargadas.
Instrumento
Foi utilizada a escala ITERS (Infant Toddler Environment
Rating Scale) de Harms, Cryer & Clifford (1990), enquanto instrumento
de avaliação da qualidade das creches. Contudo, a sua utilização
na análise do processo educativo levantou-nos algumas dúvidas.
Por conseguinte, temos vindo a efectuar um trabalho de construção
de um novo instrumento que, entre outras características, distingue
os aspectos ligados ao ambiente dos aspectos mais directamente relacionados
com o processo. A reorganização do instrumento baseou-se
essencialmente na transformação das unidades de observação
da ITERS em itens, agrupando-os em novas categorias, de forma a dispormos
de medidas manejáveis e compatíveis com os nossos propósitos.
Quadro I
Modelo de análise das Medidas Educacionais
Directas
Focos da Acção Educativa
Canais de estimulação
1.
Físico/ Motor
2.
Cognitivo/ Sensorial
3.
Social/
Inter-Relações
4. Emocional
TOTAL
de
Itens
1.1
Organização e Ambiente
1 a 20
(20 Itens)
21 a 38
(18 Itens)
39 a 46
(8 Itens)
47 a 54
(8 Itens)
54
1.2
Desenvolvimento do Processo
1 a 18
(18 Itens)
19 a 50
(32 Itens)
51 a 76
(26 Itens)
77 a 97
(21 Itens)
97
TOTAL
38
50
34
29
151
A - Medidas Educacionais Directas
A.1. Canais de Estimulação
A organização do ambiente e o desenvolvimento
do processo educativo foram considerados como dois grandes campos de observação
denominados genericamente por "Canais de Estimulação". O
critério de distinção baseou-se no seguinte: quando
um item pode ser apreciado na ausência das crianças é
considerado parte da Organização e Ambiente (e.g. "A sala
tem luz adequada, ventilação e temperatura correcta", "Os
blocos e os acessórios estão separados pelo tipo"); quando
só pode ser apreciado com a presença concreta da criança
é considerado parte do Desenvolvimento do Processo (e.g. "É
dispensada a atenção à aparência da criança",
"As crianças estão felizes a maior parte do dia"),.
A.2. Focos de Acção Educativa
Ao lidar-se com características do processo
educativo, adoptamos os paradigmas multi-dimensionais que ajudam a localizar
aquilo a que chamamos "Focos da Acção Educativa", aceites
e empregues nas Ciências da Educação e derivados da
Psicologia do Desenvolvimento. São os aspectos do desenvolvimento:
Físico/Motor, Cognitivo/Sensorial, Social/Inter-Relações
e Emocional.
Assim, os itens colocados em cada um dos Canais
de Estimulação e nos respectivos Focos de Acção
Educativa constituíram as medidas relacionadas directamente com
o contexto educativo, e a que denominamos "Medidas Educacionais Directas".
B - Medidas Organizacionais Paralelas
As unidades de observação que não
se enquadravam no critério básico das "Medidas Educacionais
Directas" foram agrupados sob a denominação "Medidas Organizacionais
Paralelas". Estes itens, embora exercendo a sua influência no trabalho
realizado numa instituição, não estão directamente
relacionados com a Organização e Ambiente ou com o Desenvolvimento
do Processo Educativo junto das crianças.
Quadro 2
Dimensões de análise das Medidas Organizacionais
Paralelas
Itens
Nº de Itens
2.1
- Organização do Espaço Físico
1 a 12
12 Itens
2.2
- Organização Pedagógica
13 a 37
25 Itens
2.3
- Medidas Relativas ao Pessoal e outros Adultos
38 a 45
8 Itens
2.4
- Inter-Relações Creche-Família
46 a 64
19 Itens
2.5
- Formação Profissional da Equipa
65 a 71
7 Itens
TOTAL
71 Itens
Procedimento
Para se satisfazer ao instrumento de observação
já apresentado, tornou-se necessário um plano de colecta
de dados com, observação directa (em vários períodos
do dia, com e sem a presença do grupo de crianças), filmagem
de situações variadas (onde o desenrolar do processo pudesse
ser examinado no seu todo e em detalhes) e entrevista (para colheita de
informações sobre aspectos organizacionais não passíveis
de captação directa).
As observações foram feitas entre
Abril e Junho. Uma vez colhidos os dados, preencheu-se a folha de avaliação
de cada instituição, constando a presença ou ausência
do item observado, bem como anotações, observações
e esclarecimentos. Os dados foram anotados diferencialmente para os dois
grupos de crianças (3/12 meses e 13/24 meses) conforme a organização
seguida por cada instituição.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Utilizando como referência os parâmetros
da escala ITERS, o nível de qualidade das creches observadas foi,
genericamente, baixo. Efectivamente, 76.6% das instituições
observadas apresentavam qualidade inadequada e as restantes a qualidade
mínima (Fig. 1).
Figura 1- Níveis de Qualidade em função
das instituições e dos seus grupos de crianças
Com base nas proporções determinadas
pela soma total das unidades de observação verificadas nos
diferentes Focos de Acção Educativa, agrupadas dentro de
cada uma das grandes categorias, elaboramos dois scores mais gerais:
um relativo à Organização e Ambiente (score compósito
da Organização e Ambiente) e um relativo ao Desenvolvimento
do Processo (score compósito do Desenvolvimento doProcesso).
Figura 2 - Score compósito médio
da Organização e Ambiente e do Desenvolvimento do Processo
Tomando como referência o total dos casos
examinados e os scorescompósitos médios relativos
às medidas de Organização e Ambiente e do Desenvolvimento
do Processo, pudemos constatar que o grau de saturação dos
universos observáveis não chega a ultrapassar em nenhuma
das categorias o nível dos 50% (Fig. 2)
Tal constatação pode harmonizar-se
com os resultados da ITERS em que o nível de qualidade das creches
estudadas era tendencialmente baixo.
Embora não existam parâmetros normativos
sobre os quais possa assentar a legitimidade de uma comparação
directa dos dois scorescompósitos, notar-se-á
que a saturação dos universos observáveis é
maior na categoria do Desenvolvimento do Processo do que na categoria
relativa à Organização e Ambiente.
Observando de forma mais individualizada os focos
de acção educativa (Fig. 3) que integram cada uma destas
duas grandes categorias, pudemos constatar que os níveis nunca
chegam a ultrapassar claramente o valor de 50% nas medidas relativas à
Organização e Ambiente, atingindo as magnitudes mais importantes
nos focos referentes ao desenvolvimento nos aspectos físico/motor
e emocional.
Fig. 3 - Nível de saturação
dos Focos da Acção Educativa relativos à Organização
e Ambiente e ao Desenvolvimento do Processo
No que toca às medidas pertencentes ao Desenvolvimento
do Processo (Fig. 3) é de assinalar que os níveis de saturação
são, na maioria dos focos, superiores aos alcançados pelas
medidas de Organização e Ambiente. A única excepção
encontramo-la na dimensão físico/motor onde parece existir
uma inversão das tendências.
Tendo em conta os canais de estimulação,
pretendemos verificar se as diferenças observadas, em função
dos grupos de idade, tinham significância estatística (Fig.
4). As análises revelaram que as diferenças relativas a
scores compósitos na categoria Organização
e Ambiente em função dos grupos etários são
claramente significativas (t=2.74; p < .005) enquanto
que na categoria do Desenvolvimento do Processo as diferenças entre
os grupos não são relevantes (t = .86; p =
.20).
Figura 4 - Scores (convertidos em percentagem)
relativos aos Canais de Estimulação em função
dos grupos etários
Figura 5 - Médias obtidas nas diferentes
dimensões em função dos grupos de crianças
Analisando de forma individualizada cada um dos Focos
de Acção Educativa enquadrados nas duas grandes categorias
(Fig. 5), podemos verificar que, dentro da categoria Organização
e Ambiente, as diferenças significativas localizaram-se nos Focos
do desenvolvimento cognitivo/sensorial (t = 2.35; p
< .01) e social/inter-relações (t = 4.80;
p < .0001).
Relativamente às medidas do Desenvolvimento
do Processo, as análises indicaram que, no aspecto cognitivo/sensorial,
a qualidade média era superior, nas salas das crianças de
um ano (t = 1.70; p < .05).
Figura 6 - Médias das diferentes variáveis
em função dos grupos etários nos casos em que as
salas contavam com a presença de educadores de infância
Comparando as médias entre os dois grupos
que contavam com a presença de educadores de infância (Fig.
6), verificamos que, em todas as variáveis analisadas, as médias
são aritmeticamente superiores no grupo de crianças de um
ano.
Analisando simultaneamente os casos em que, nos
dois grupos, não existia educador de infância, a configuração
dos resultados é diferente (Fig. 7).
Figura 7 - Médias das diferentes variáveis
em função dos grupos etários nos casos em que as
salas não contavam com a presença de educadores de infância
Embora numa primeira análise (ver mais pormenores
em Carvalho, 1997) se verifique que em termos de médias aritméticas,
há vários casos em que a superioridade pende para as salas
dos bebés, apenas num caso foi possível encontrar uma diferença
estatisticamente significativa (Organização e Ambiente apropriado
ao desenvolvimento social/inter-relações), onde o nível
de qualidade se mostrou substancialmente superior no grupo de crianças
de um ano.
O conjunto das análises efectuadas permitem
concluir o seguinte:
1 - a presença ou ausência de educadores
de infância constitui um factor que maximiza a diferença
entre os dois grupos etários, sobretudo a nível das medidas
do Desenvolvimento do Processo;
2 - há um factor de variação ligado
à variável grupo etário, não identificável
com a presença/ausência de educadores de infância e
a proporção adulto/criança.
A relação existente entre a formação
dos profissionais e as variáveis de Organização e
Ambiente e do Desenvolvimento do Processo prendia-se, num primeiro momento,
com a presença ou ausência de educadores de infância
diplomados, em cada grupo de crianças.
Atendendo ao parco número de educadores de
infância no grupo de bebés (27%), a nossa análise
reportou-se apenas ao grupo de crianças de um ano (47%).
Figura 8 - Canais de estimulação
e suas variáveis em função da presença da
educadora de infância no grupo de crianças de um ano
A presença da educadora parece estar genericamente
associada a uma superioridade dos resultados, quer na categoria de Organização
e Ambiente, quer na categoria relativa ao Desenvolvimento do Processo
(Fig. 8).
Note-se, contudo, que os efeitos estatísticos
desta variável são aparentemente mais acentuados no que
diz respeito às medidas do Desenvolvimento do Processo (t=4.06;
p£ ..001). Na verdade, em todos os seus
quatro Focos-físico/motor, (t=2.68; p£
..01), cognitivo/sensorial (t=3.62; p£
..01), social/inter-relações (t=3.37; p£
..01), e emocional (t=3.70; p£ ..01)-as
diferenças foram significativas, ao passo que nos Focos pertencentes
à Organização e Ambiente, só num (cognitivo/sensorial,
t=3.94; p£ ..01),) foi possível
detectar discrepância com significância estatística.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O nosso estudo tinha como objectivo analisar o nível
de alguns factores que interferem no processo educativo nas creches. Como
pudemos constatar os níveis de qualidade destas instituições
permanecem, globalmente, muito longe dos critérios de excelência
e as carências são, aparentemente, mais flagrantes nas medidas
de Organização e Ambiente do que nas do Desenvolvimento
do Processo.
A confirmar-se, tal facto sugere que haverá
uma lógica economicista inerente à aquisição
de equipamento/materiais suficientes e adequados a estas faixas etárias.
Por um lado, as características específicas das crianças
tornam os materiais particularmente caros (muitas vezes inacessíveis)
e nem sempre passíveis de serem construídos pelos profissionais,
de forma artesanal. Por outro lado, dado o número reduzido de crianças
por adulto, as comparticipações tornam-se insuficientes
para satisfazerem todas as despesas inerentes ao funcionamento da instituição,
pelo que a renovação dos materiais se torna, muitas vezes,
exígua.
O nosso estudo revelou também que a presença
de educadores de infância com formação específica,
parece estar realmente associada a uma superioridade dos resultados nos
dois Canais de Estimulação, embora de uma forma mais acentuada
nas medidas relativas ao Desenvolvimento do Processo.
A nível da Organização e Ambiente
as diferenças significativas entre os grupos sugerem que as oportunidades
de experimentação, de descoberta e de convivência,
são de alguma maneira favorecidas nas crianças com mais
de um ano. Parece então estar implícito que as oportunidades
de desenvolvimento de competências cognitivas e sociais no grupo
dos bebés não constituem objectos educativos intencionais
para os responsáveis das instituições (direcções
e educadores). Contudo, a formação específica dos
profissionais permite (independentemente de eventuais limitações
organizacionais e financeiras) uma melhor adaptação e adequação
dos espaços, dos equipamentos e dos materiais, em função
dos grupos e das tarefas educativas a realizar junto dos mesmos.
Afigura-se-nos, também, relevante assinalar
que as discrepâncias entre os grupos etários, neste canal
de estimulação, tendem a acentuar-se mais significativamente
quando existe educador de infância. Este fenómeno reflectirá
a importância das características de um projecto educativo,
que estará mais consistentemente formulado para as crianças
de um ano, do que para os bebés.
Sendo certo que a existência de educadores
de infância tende a favorecer o desenvolvimento de um processo educativo
mais rico e adequado às crianças, não é menos
verdade que a sua formação específica parece não
conseguir prepará-los para o uso e implementação
de metodologias apropriadas a esta faixa etária (0 a 2 anos). Associado
ao grupo dos bebés, parece estar, ainda muito implícita,
a ideia de que eles necessitam apenas de alimentação, higiene
e conforto. Para além destas tarefas, os profissionais actuam como
se desconhecessem o quê, como e quando fazer com cada uma
das crianças.
Em contrapartida, no grupo das crianças de
um ano, parece que a "lógica educativa" muda. Tal facto poderá
estar relacionado com a formação específica dos educadores
de infância, que não privilegia tanto a informação
acerca do desenvolvimento e educação do bebé.
Com efeito, parece-nos que a própria legislação
portuguesa sobre as creches (Despacho Normativo nº 99/89, 27 de Outubro)
não legitima um processo educativo da criança desde o início
da vida, mas enfatiza especialmente a satisfação de necessidades
básicas de alimentação (Norma XV), de higiene (Norma
XVI) e de segurança (Norma XIII). Aliás, quando este despacho
faz referência ao equipamento e material pedagógico, focaliza
a sua atenção nos aspectos de segurança e de higiene
(Norma XII).
Não parece, então, a despropósito
que as creches e outros tipos de atendimento a crianças desta faixa
etária estejam sob total e exclusiva responsabilidade, orientação
e inspecção do Ministério de Segurança e Solidariedade
Social, não incorporando assim o sistema educativo.
A divisão/separação entre ministérios
parece ter implícita uma lógica assistencial inerente às
crianças mais pequenas, enraizada nas "mentalidades" políticas
ao longo dos tempos.
Parece, também, transparecer que a educação
do ser humano é divisível, compartimentada e independente
ao longo das etapas de crescimento. Neste sentido, parece-nos que, enquanto
estiver associada à creche uma função meramente social,
baseada em princípios assistenciais, a construção
de uma identidade própria dos profissionais estará sempre
posta em causa e fragilizada pelas forças exteriores da Família,
da Sociedade e do Estado.
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